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50 anos do Hip-hop: do Bronx para o mundo, das ruas para os museus

Como o movimento evoluiu de uma manifestação artística de resistência para o mercado de arte internacional

por Luciana Pareja
Arte de divulgação da exposição Hip-hop: Conscious, Unconscious, em cartaz no Fotografiska NY (divulgação)

A sinopse da exposição Hip-hop: Conscious, Unconscious, em cartaz até 21 de maio no Fotografiska Museum de Nova York, narra a lenda de que esse movimento começou em 11 de agosto de 1973 numa festa num porão do Bronx. Na internet, é possível encontrar outra versão, de que o início do Hip-hop aconteceu com a fundação em 1973 da Universal Zulu Nation, ONG criada pelo lendário DJ Afrika Bambaataa para integrar a juventude do Bronx, majoritariamente formada por pessoas negras e latinas. 

Na época, o bairro era considerado o mais violento da metrópole norte-americana, que por si só já não era nenhum exemplo de segurança. A Zulu Nation surgiu então como um espaço de convivência pacífica e manifestação artística, para que em vez de lutarem em gangues rivais, seus frequentadores duelassem em passos de break, batalhas de rima, discotecagem e graffiti, que começou com as assinaturas de crews e pixadores feitas nos vagões do metrô de lá. 

O fato é que, independentemente do real disparador, 2023 celebra os 50 anos do movimento que afirmou a potência da criação artística das ruas e dos guetos e se disseminou pelo mundo todo, inclusive pelo Brasil, especialmente em São Paulo.

Na mostra em cartaz no Fotografiska, o próprio título, Conscious, Unconscious indica que a curadoria procurou registros e imagens do início do Hip-hop antes de se entender como produto cultural vendável, passível de exportação. A ideia da exposição é resgatar os primórdios, quando o que contava era soltar a criatividade em encontros nas ruas, nas quatro frentes criadas pelo movimento: a dança (break); o MC, ou a pessoa das rimas; o DJ, ou piloto dos pickups; e o representante das visuais, o graffiti. 

Até o Hip-hop chegar em São Paulo, numa época em que a velocidade da informação ainda dependia de publicações, fotografias em papel, discos e fitas, a década passou dos 1970 para os 1980. Se por um lado Alex Vallauri, artista etíope radicado no Brasil e com bastante trânsito por Nova York, foi o pioneiro da pintura nos muros da capital paulista, criando ícones em estêncil como a Rainha do Frango Assado e a Bota Preta, por outro o Hip-hop em todas suas quatro frentes só surgiu de verdade pela união da juventude periférica no Centro da cidade para trocar referências e mostrar sua arte.

Tendo como principal reduto o metrô São Bento e sua estação ampla em meio ao Largo ocupado também pelo famoso mosteiro, o Hip-hop começou com a transição dos passos do funk de James Brown para os do break nas músicas gravadas em fitas, que muitas vezes passavam por muitas mãos, vindas de fora, até chegar à galera do Largo. 

Ali, encontravam-se nomes fundamentais, como os b-boys Nelson Triunfo, Rooneyoyo e Alam Beat na dança; DJ Ninja, Hum, Thaide e MC Jack na música; e no graffiti, OSGEMEOS, Speto e Vitché, entre muitos outros, sem falar dos Racionais MCs antes do grupo, sintetizando o encontro dos extremos da cidade com dois de seus integrantes vindos da Zona Norte (Edi Rock e KL Jay) e dois da Sul (Mano Brown e Ice Blue).

O b-boy e DJ Rooneyoyo (cortesia do artista)

“A primeira geração, que foi a minha, foi a geração das descobertas dos anos 1980, onde a dança e o graffiti foram os pioneiros em termos de arte. Com a vinda dos vídeos e filmes, abriu-se o leque para a percepção e introdução dos DJs e MCs, completando assim os elementos. Foi uma época de busca forte por conhecimento, introduzir a cultura nas escolas, mudar o padrão de comportamento do ser humano pra quem era da cultura e levar isso como estilo de vida”, falou com exclusividade para o AQA o b-boy e DJ Rooneyoyo.

Dois dos mais jovens frequentadores da São Bento naquela época, os hoje mundialmente conhecidos OSGEMEOS levam entre 22/2 e 22/5 para o Centro Cultural Banco do Brasil de BH a mostra Nossos Segredos, já exibida antes no CCBB do Rio de Janeiro. É a primeira vez que o trabalho dos artistas ganha exposição em Minas Gerais. Enquanto isso, em São Paulo, Banksy, representante mais atual do graffiti, ganha megaexposição imersiva de seus trabalhos no Shopping Eldorado, apresentando obras icônicas.

Obra da exposição da dupla OSGEMEOS no CCBB de BH (divulgação)

Mas chegar a essa grande difusão não foi fácil. Com as outras frentes do Hip-hop conquistando público pela facilidade do acesso e interesse direto do mercado fonográfico, restou ao graffiti percorrer um longo caminho do Largo São Bento até as grandes exposições acima. 

Foi preciso a criação de uma rede de articulação entre artistas cada vez mais numerosos vindos das várias regiões de São Paulo com outras cidades do país e do mundo, até que o mercado de arte começasse a olhar com cobiça uma produção diferente das habituais obras nas galerias, feita nos muros e empenas e transplantada para telas e papel, ainda que perdendo um pouco de sua característica primordial, a urgência de imprimir sua arte para todos verem, na cidade. 

Pioneiro entre os galeristas especializados em graffiti, Baixo Ribeiro, da Choque Cultural (SP), falou com exclusividade para o AQA: “Apresentamos artistas do graffiti e o graffiti como um movimento para um público mais amplo, além da própria comunidade do Hip-hop, tanto nacional quanto internacionalmente”. 

“Então a gente realmente elevou os artistas e toda a mítica do movimento do graffiti brasileiro e principalmente do graffiti paulistano, que tem características próprias, uma identidade própria em relação ao graffiti internacional, em termos de originalidade e de autoria, uma qualidade autoral, o traço diferente, uma abordagem diferente de cada artista. O graffiti paulistano teve uma importância histórica no desenvolvimento do graffiti por isso”. 

Baixo Ribeiro, galerista da Choque Cultural, especializada em graffiti (foto Tatyane Costa)

Com novo endereço nos Jardins, a Choque Cultural é um ótimo lugar para ver –e comprar– trabalhos de artistas do graffiti fora das ruas, e abriu caminho para outras galerias voltadas ao segmento, como a A7MA e a OMA, além de consolidar a street art  no mercado contemporâneo.

Em SP, quem quer ver graffiti em seu lugar de origem, nas ruas, pode apreciar desde o famoso Beco do Batman, na Vila Madalena, como as numerosas empenas do Minhocão, no Centro e trabalhos assinados por mulheres, que no início do Hip-hop e do desenvolvimento da cena do graffiti, sofriam muita discriminação e, aos poucos, vêm abrindo um espaço duradouro e merecido na cena da arte de rua. 

A multiartista e arte educadora Soberana Ziza (foto Fotografista)

Um exemplo é uma das representadas pela Choque Cultural, Soberana Ziza. Com murais em instituições como a Estação Pinacoteca em em países como Alemanha e EUA, a multiartista e arte educadora contou com exclusividade para o AQA como as mulheres foram se unindo ao longo do tempo para se fortalecer no Hip-hop e na cena artística como um todo. 

“Em 2006, aconteceu minha aproximação com a Frente Nacional de Mulheres do Hip-hop [organização que reúne artistas femininas do movimento em todo o Brasil]. Ali foi o lugar onde eu aprendi várias coisas que talvez, andando na rua, eu não teria acessado, onde entendi a importância do direito à cidade, dos editais, e conheci essas mulheres não só do grafite, porque ali estavam envolvidos os 4 elementos do Hip-hop. Entendi a importância de ter essas mulheres como referência para debater e pautar a questão de gênero. Ali era também um lugar de resistência. Hoje foram criadas novas conexões: a internet, o YouTube, o Instagram potencializam a difusão dessas informações.”

A trajetória de artistas como Ziza representa a própria História do Hip-hop, em geral, e do graffiti, em particular: um movimento que começa nas ruas, buscando espaço para uma população negligenciada e silenciada, que por meio da arte encontra sua expressão. O que antes era considerada arte de rua, com o passar do tempo foi sendo assimilada pelo mercado. Mas com a necessidade constante de luta e de resistência da população periférica, negra e socialmente vulnerável, os 50 anos do Hip-hop são um lembrete mais que oportuno que a arte existe em todo lugar. Só é preciso olhar. Que venham mais 50 anos.

Painel Fio da Memória, trabalho de Soberana Ziza para a Estação Pinacoteca (foto Fotografista)

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