O povo Yanomami não conhecia o significado da palavra “genocídio” até entrar em contato com os homens não-indígenas. O povo Yanomami habita, há um milênio, a Serra Parima, maciço montanhoso na fronteira entre Brasil e Venezuela, onde nasce o rio Orinoco. Hoje eles se dividem entre os países, sendo cerca de 30 indígenas do lado de cá e 20 mil do lado de lá. Relativamente isolados até o início do século passado, eles conheceram diversas forma de violência e apagamento.
Apesar da tragédia Yanomami ser contínua desde então, 3 momentos foram especialmente dramáticos e eles foram lembrados e denunciados por 3 artistas.
Primeiro Ato: Claudia Andujar
O contato com os os não-indígenas parece ter sido mais intenso e cruel a partir da década de 1970, durante o esforço do governo militar de definir as fronteiras do Brasil, por meio da Comissão Brasileira Demarcadora de Limites.
Foi nesta época também que eles vivenciaram a primeira onda de doenças levadas pelos garimpeiros para a região. A década foi marcada, ainda, pela construção da rodovia Perimetral Norte (BR 210), conhecida também como Perimetral Norte, que atravessou o território Yanomami – a Comissão Nacional da Verdade concluiu que a construção de rodovias no governo militar matou cerca de 8 mil índios.
Foi nessa época que Claudia Andujar entrou em contato pela primeira vez com os Yanomami e começou a registrar não só seus costumes e cosmovisão deste povo, mas também a denunciar a violência destes primeiros contatos.
Uma série icônica é a “Marcados”: retratos dos indígenas portando números de cadastramento pendurados ao pescoço – a maioria deles já aculturados, com vestimentas e destituídos de pinturas corporais- feitas durante controle e tratamento nos programa de saúde.
Segundo Ato: Luiz Zerbini
Desde os o final da década de 1970, Andujar lutou ao lado de lideranças Yanomami para sacramentar a demarcação da Terra Indígena Yanomami. A vitória veio em maio de 1992. No entanto, tempos de paz parace ser um luxo raro na vida dos Yanomami e 1993 foi marcada pelo Massacre de Haximu. “Haximu” é o nome da comunidade que vivia na fronteira do Brasil com a Venezuela e foi massacrada por garimpeiros em busca de ouro. Dezesseis indígenas foram assassinados pelos garimpeiros, incluindo idosos e crianças.
Luiz Zerbini criou, para sua última exposição no Masp, uma pintura chamada “Massacre de Haximu” para expressar seu lamento e indignação diante desse fato. Para realizar a obra, o artista reuniu inúmeras notícias de jornal desses últimos 30 anos de luta Yanomami contra garimpeiros, além de pesquisar em redes de comunicadores locais, em especial o ISA ( Instituto Sócio Ambiental) e a Hutukara – importantes armas de informação contra o garimpo ilegal.Durante a execução do trabalho, o principal responsável pelo Massacre de Haximu, Pedro Emiliano Garcia, foi condenado a 20 anos de prisão. Zerbini relembra a importância de figurar e revelar não só as resistências, como também os inimigos dos povos indígenas.
Terceiro Ato: Vânia Mignone
Em maio do ano passado, quando os Yanomamis comemoravam 30 de terras demarcadas, uma menina de apenas 12 anos que foi estuprada e morta e um grupo desapareceu deixando como último vestígio uma pequena aldeia em chamas.
No início de 2023, mais notícias chocam o mundo:o Ministério dos Povos Indígenas divulgou que 99 crianças – entre um a 4 anos – do povo Yanomami morreram no ano de 2022. Os dados confirmados são só do último ano, mas pasta estima que ao menos 570 crianças foram mortas nos últimos quatro anos – marcando o último governo como um dos mais nocivos para os povos indígenas. As principais causas foram desnutrição, pneumonia, diarreia e contaminação por mercúrio. Além disso, foram confirmados mais de 11 mil casos de malária na região. A Terra Yanomami virou, mais uma vez, palco de tragédia humanitária! E isso estampou as capas de jornais.
Vânia Mignone dedica um mural, presente na mostra De tudo se faz canção, no Instituto Tomie Ohtake, a mais este triste episódio da história Yanomami. A artista representa uma figura híbrida flor/mulher aos prantos junto ao escrito “O CHORO DE IRACEMA” vertendo sobre as águas escuras de um rio. Esse texto assemelha-se a uma manchete de jornal, revelando tanto uma conexão da própria artista com os veículos de comunicação de massa quanto a forma como estas duras notícias chegam até nós.
As cores guardam um caráter inesperado e estranho, como se coubesse ao observador a indagação das causas que tornaram essas águas turvas e violetas, e uma das montanhas ganhar um vermelho sangue tão vivo. Nessa paisagem melancólica em transmutação, um pássaro também chora e as linhas desse choro se transformam em grafismos indígenas. Elas são choro e também são chuva como se suas águas pudessem conduzir parte desse enorme pesar.