No último mês, com a crescente discussão gerada pelos protestos antirracistas que tomaram o mundo após a morte de George Floyd, movimentos organizados começaram a pedir que estátuas que fazem menção a figuras racistas, genocidas e/ou colonizadoras sejam retiradas do posto de “heroísmo” e sejam ressignificadas, colocando essas pessoas em seus lugares na História, como pessoas que praticaram opressões contra minorias.
No Brasil, várias dessas “homenagens” passaram a ser questionadas. Especialistas tomaram as redes e os meios de comunicação para discutir o que fazer com esses monumentos. Alguns defendem sua destruição, outros defendem que eles sejam apenas retirados e colocados em museus, e outros acham que eles devem ser apenas ressignificados.
Elencamos aqui dez exemplos de estátuas pelo Brasil que levantam esses questionamentos de acordo com seus papéis históricos.
Princesa Isabel
A história de que a Princesa Isabel teria sido muito piedosa com os negros escravizados no Brasil e, por isso, assinou a Lei Áurea já foi por água abaixo. A abolição da escravatura aconteceu, dentre outros motivos, por pressão da maior potência capitalista do mundo na época, a Inglaterra, que queria novos mercados para os produtos que fabricava. Além disso, a realeza precisava de apoio popular para ter um terceiro reinado e achou que, abolindo a escravidão, teria apoio interno e externo. Como D. Pedro II estava viajando, a assinatura coube a ela.
Aliás, pelo contrário, a princesa, que sempre foi vista como a “branca salvadora”, tirava sarro dos abolicionistas que eram mais combativos.
Esta estátua está localizada no Rio de Janeiro.
Padre José de Anchieta
Em Portugal, a estátua do Padre Antônio Vieira foi envolvida nos protestos antirracistas no mês passado. Foram desenhados corações nas crianças indígenas retratadas ao redor deles. Na figura do padre, foi escrita a palavra “descoloniza”. Os padres jesuítas foram responsáveis pela catequização dos indígenas, pois eles atestavam que eram um povo sem Deus e sem coração, um sério retrato da colonização e do racismo. Em Santos, litoral paulistano, há essa estátua do Padre José de Anchieta evangelizando um indígena… Bem.. E uma onça…
Bartolomeu Bueno da Silva (Anhanguera)
Anhanguera é uma palavra de origem tupi-guarani, que significa “Diabo Velho” ou “Espírito Maligno”. Esse foi o apelido dado a Bartolomeu Bueno da Silva, representado nessa estátua em Goiânia, pelos povos nativos do interior de São Paulo, que sofreram muito nas mãos deste que foi considerado um dos bandeirantes mais sanguinários: saquendo aldeias, escravizando e matando indígenas. Há outras estátuas dele espalhadas por aí, como no Parque Trianon, na Avenida Paulista, em São Paulo.
Emílio Garrastazu Médici
Filiado ao ARENA, Médici foi um dos presidentes do Brasil durante a ditadura militar. Aqui, ele é representado num monumento em Cuiabá. O seu mandato foi o mais cruel no que diz respeito a torturas, desaparecimentos e assassinatos da oposição política. Estudos da Comissão da Verdade mostraram que ele tinha total conhecimento do uso sistemático de violência praticado nos quartéis pra onde eram levados os presos políticos na época. Um relatório da Human Rights Watch mostra que ditadura no Brasil torturou 20 mil pessoas e pelo menos 434 foram mortas ou desapareceram. Muitas mortes e desaparecimentos são reivindicados até hoje devido ao movimento genocida dos militares brasileiros na época.
Borba Gato
A estátua brasileira mais citada nas redes sociais quando houve a derrubada da estátua de Edward Colston em Bristol foi essa aqui: Borba Gato, localizada no bairro de Santo Amaro, em São Paulo! Desde então, ela tem sido vigiada 24h pela Guarda Civil Metropolitana. Isso porque o monumento em homenagem ao bandeirante Borba Gato levantou uma série de debates sobre sobre o genocídio de povos originários ser camuflado pela ideia de heroísmo. Borba Gato é um dos bandeirantes mais citados quando os assuntos são o massacre e o estupro de indígenas.
Duque de Caxias
O coronel Luís Alves de Lima e Silva, conhecido como Duque de Caxias é uma das figuras mais lembradas quando se fala em militares brasileiros, foi uma figura imperialista e escravocrata. Ele foi designado como Presidente e Comandante das Armas da Província para conter a revolta da Balaiada, no Maranhão, liderada por escravos e trabalhadores. Usando força desproporcional — canhões e armão de fogo contra facões e foices –, a retaliação de seu exército gerou, ao todo, 10 mil mortos. Esta estátua fica em São Paulo e é de Victor Brecheret!
Monumento às Bandeiras
Também um monumento do escultor Victor Brecheret, o Monumentos às Bandeiras, localizado no Parque do Ibirapuera, em São Paulo já levantou a bola sobre a retirada de símbolos escravagistas da posição de “heroísmo” uma vez. Aconteceu em 2016, quando ele amanheceu borrado com tintas coloridas — a estátua do Borba Gato também amanheceu pintada naquele dia! Já falamos da atuação genocida, colonizadora e racista dos bandeirantes aqui ao falarmos sobre o próprio Borba Gato e Anhanguera. O Monumento às Bandeiras só elevaria isso, portanto, a uma homenagem generalizada a esses dois e outros que atuaram dessa forma violenta nos interiores do Brasil.
Bento Gonçalves
Assim como Duque de Caxias, Bento Gonçalves é nome de cidade no Brasil, além de praças, ruas e outras coisas que o elevam a posto de homenageado. E, claro, estátua. Esta fica em Porto Alegre. Assim como Duque de Caxias, Bento foi líder de grupo militar e escravocrata. Ele comandou tropas que lutaram em várias batalhas e foi líder da Revolução Farroupilha, que pretendia separar o Rio Grande do Sul do resto do país. Um dos episódios mais emblemáticos da Guerra dos Farrapos é o Massacre de Porongos, que foi uma emboscada que culminou na morte dos Lanceiros e Infantes Negros, combinada entre David Canabarro e (adivinhem?) Duque de Caxias. O episódio é visto como uma traição dos Farrapos aos negros que lutavam junto a eles sob a promessa mentirosa de terem sua liberdade.
Monumento aos Bandeirantes (Santana do Parnaíba)
Localizado na cidade de Santana do Parnaíba, esse monumento coloca sob o olhar de “heroísmo” figuras brancas que foram importantes na fundação da cidade, como o bandeirante André Fernandes e sua mãe, a também bandeirante Suzana Dias. Além deles, aparecem retratados Anhanguera, o padre jesuíta Guilherme Pompeu e outros bandeirantes históricos: Domingos Jorge Velho, Raposo Tavares e Fernão Dias. O “bônus” do monumento é a figura do escravo que soa como se carregasse todos nas costas… E, bem, carregou, tendo em vista que os bandeirantes prosperaram na morte de indígenas e negros.