
Enquanto a sociedade ditava recato e submissão às mulheres do início do século XX, Tamara de Lempicka contrariou tudo isso. Nascida em meio à elite europeia, fez da arte e da vida sua forma de autonomia. Seus quadros celebravam mulheres poderosas, sensuais e donas do próprio corpo. O que então soava como escândalo hoje é reconhecido como um legado para a posteridade. Por viver à frente de seu tempo, a artista tornou-se um ícone da emancipação feminina, traduzindo em pinturas o que muitas mulheres ainda não podiam viver: autonomia financeira, liberdade sexual e um olhar desafiador sobre o mundo.
Nascida no seio da alta sociedade de Varsóvia, sua vida tomou um rumo dramático quando a Revolução Russa de 1917 a arrancou brutalmente de São Petersburgo. Paris, então, não foi só um refúgio, mas foi também onde reconstruiu sua vida e ambição. Na Cidade Luz, a exilada transformou-se na grande dama do Art Déco (movimento marcado por formas geométricas, superfícies polidas e cores fortes), capturando como ninguém a essência de uma época dividida por heranças aristocráticas e pelo desejo acelerado de modernidade.
A seguir separamos 10 curiosidades sobre essa artista elegante, visionário e poderosa:
- Ela amava a pintura renascentista
Filha de uma polonesa da alta sociedade e de um advogado russo com negócios internacionais, Tamara Rozalia Gurwik-Górska — nome que recebeu ao nascer — descobriu sua vocação para as artes aos 12 anos, durante uma viagem à Itália com a avó. Lá, teve seu primeiro contato com obras de mestres como Da Vinci e Michelangelo, apaixonando-se imediatamente pela pintura renascentista. Anos mais tarde, essa influência se revelaria diretamente em seu estilo Art Déco, que preservava a disciplina técnica dos antigos mestres, mas aplicada a telas modernas de cores intensas e linhas precisas.
- Ela se matriculou em um curso de arte quando já era casada e tinha uma filha
Em 1916, casou-se com Tadeusz Łempicki, um advogado polonês cujo sobrenome ela adotaria para a história da arte. Forçada a fugir para a França após o turbilhão da Revolução Russa em 1917, Tamara encontrou refúgio na Paris dos anos 20, onde deu à luz Kizette, sua única filha, enquanto reinventava a própria identidade entre tintas e pincéis. Matriculando-se na Académie de la Grande Chaumière, entre o cheiro de terebintina e debates artísticos, ela dividia a maternidade com estudos de arte sob a orientação de Maurice Denis, mestre do simbolismo, e André Lhote, que a introduziu às geometrias cubistas.
- Ela assinou seus primeiros trabalhos sob um pseudônimo masculino
No início da carreira, adotou “Lempitzky”, a versão masculina de seu sobrenome, como assinatura para conquistar respeito em um cenário artístico dominado por homens. Chegou a receber elogios por seus nus e naturezas-mortas, que críticos atribuíam a um tal “Monsieur” Lempitzky. Enquanto a tradição da época retratava as mulheres como objetos, em suas telas, as figuras femininas emanavam poder e autonomia.

- Ela foi responsável pelo sustento de sua família
Nos primeiros anos em Paris, para sustentar a família, ela vendeu as joias herdadas dos pais, já que Tadeusz não arranjava trabalho. Sabendo que isso não duraria, mergulhou na pintura, virando retratista da alta sociedade e de revistas da época. Trabalhava nove horas por dia, sem pausas, mas usava seu charme e conexões a seu favor. Em três anos (1923-26), deixou de ser uma refugiada russa para se tornar uma artista reconhecida e principal provedora de sua família. Tadeusz, frustrado com seu sucesso, não aceitou estar à sua sombra e em 1928, separaram-se.
- Socialite nata, era muito querida entre os ciclos da “high society”
Enquanto seu primeiro marido se ressentia com seu sucesso, ela viajava pela Europa vendendo quadros e conquistando a alta sociedade. Tomava chá com Chanel e Schiaparelli, festejava com Kisling e Fujita, e debatia literatura com Gide e d’Annunzio. Todos se encantavam por ela – e Tamara sabia usar isso a seu favor para abrir portas, firmar contratos e, sobretudo, para nunca, nem por um instante, pedir licença.

- Ela teve diversos casos com mulheres
Além de revolucionar a arte decó, Tamara viveu abertamente sua bissexualidade, algo raro para a época. Seus relacionamentos com mulheres eram tão intensos quanto suas pinturas – o mais famoso foi com a modelo Rafaela, que inspirou “A Bela Rafaela” (1927), um retrato cheio de sensualidade. A artista não escondia seus casos, frequentava os círculos lésbicos da época e transformava suas amantes em musas eternizadas em telas. Para ela, a liberdade sexual era tão essencial quanto a artística, e ambas se misturavam em sua vida e obra.

- Sua carreira teve muitos altos e baixos
Lempicka viveu sua fama com a mesma intensidade com que enfrentou o esquecimento. Nos anos 1920-30, era a pintora mais cobiçada da elite parisiense, com clientes pagando fortunas por seus retratos. Porém a Segunda Guerra Mundial e a mudança de gostos artísticos a jogaram à obscuridade. Chegou a pintar naturezas-mortas sob pseudônimo para sobreviver. Só nos anos 1970, redescoberta pelo movimento pop, ela viu seu trabalho ser celebrado novamente, pouco antes de morrer. De ícone a “artista esquecida” e de volta ao estrelato, sua trajetória foi tão dramática quanto suas telas.
- Ela foi injustamente associada ao Facismo
Por circular entre os mais abastados grupos aristocráticos da Europa dos anos 1930, viu-se envolta em polêmicas que nunca procurou. Sua clientela incluía membros da alta sociedade com ligações a regimes autoritários – como a Duquesa de La Rochefoucauld, conhecida simpatizante fascista. Mas os pincéis de Lempicka não escolhiam ideologia: retratava a beleza onde a encontrava. Quando a guerra eclodiu, deixou a Europa como refugiada, sem nunca ter defendido causas políticas.

- Madonna é uma de suas maiores colecionadoras
Em 1990, Madonna confessou à Vanity Fair: “Tenho um museu Lempicka em Nova York”, revelando sua vasta coleção da artista. Sua admiração vai além das paredes; obras de Tamara aparecem nos clipes “Open Your Heart” (1987) e “Vogue” (1990), no filme “Who’s That Girl” (1987) e nos palcos da turnê “Blond Ambition”. Não por acaso, Madonna viu na pintora polonesa a mesma essência de liberdade feminina que ela própria personificava, criando um diálogo entre duas revolucionárias de épocas distintas.
10. Seu autorretrato em um Bugatti se tornou um símbolo de independência
Uma das imagens mais marcantes de Tamara de Lempicka é seu autorretrato ao volante de um Bugatti verde-esmeralda, pintado em 1929 para a capa da revista Die Dame. Vestida com um capacete de couro, luvas e um lenço esvoaçante, ela se apresenta como símbolo da mulher moderna: independente e no controle do próprio destino. Curiosamente, Tamara não possuía um Bugatti, mas sim um Renault amarelo; a escolha do carro reforçava a imagem de prestígio e sofisticação que ela projetava.