Marcius Galan

por Julia Lima

Tempo de leitura estimado: 5 minutos

Na arte contemporânea, com alguma frequência, nos pegamos procurando uma palavra para descrever ou definir algo que nos escapa. A produção de Marcius Galan (Indianápolis, 1972) pode nos colocar nesse lugar de dúvida e afasia: como chamar as intervenções arquitetônicas do artista, nomear a subversão no uso dos materiais, ou mesmo classificar a abordagem e o método quase matemáticos presentes em parte de seus trabalhos? Por meio de gestos silenciosos ou mínimos, Galan cria potentes objetos, instalações, vídeos e intervenções capazes de desconcertar e virar do avesso a maneira com que olhamos e percebemos as coisas, perturbando as estruturas estanques que configuram nosso entorno. Essa pequena “pane” cognitiva que os trabalhos causam acaba revelando tensões e atritos que provavelmente passariam despercebidos, abrindo, assim, novos campos de entendimento do mundo.

Confira abaixo a entrevista realizada pelo ARTEQUEACONTECE com Galan sobre sua formação em artes, seu processo criativo e sua relação com os materiais com que trabalha!

 

Julia Lima: Por que você decidiu estudar arte na FAAP, nos anos 90? Você estudou na infância, sua família te estimulava? A educação formal é considerada por alguns como uma porta de entrada “segura” para “ser” artista. Já era o que você queria naquele tempo?

Marcius Galan: Eu passei minha infância e adolescência em Bauru, no interior de São Paulo. Era, e continua sendo, uma cidade completamente fora do circuito das artes, como a maioria das cidades do interior. E pouca coisa acontecia em termos de artes visuais. Meu pai pintava nas horas vagas – ele era professor na USP, na faculdade de odontologia. Eu gostava de ver sua atividade, mas nunca imaginei seguir uma carreira de arte. Para ele e para todas as pessoas que eu conhecia, quem era bom de desenho tinha que prestar publicidade. Foi o que eu acabei fazendo. Mas por sorte na segunda opção eu coloquei Artes plásticas (licenciatura). E eu passei na segunda opção na Federal do Rio. Frequentei muito pouco por um semestre e comecei a fazer aulas de teatro no Rio. Depois, alguns amigos de Bauru estavam vindo pra SP montar uma república, foi aí que eu me animei a prestar a FAAP. No começo eu não tinha nenhuma pretensão de ser um artista, era uma coisa completamente distante; eu tinha um repertório muito reduzido, nenhuma familiaridade com o que acontecia no mundo da arte. No meio do curso migrei para Desenho Industrial e, depois, aconselhado por alguns professores, voltei ao curso de artes. Eu estava rondando as artes mas não tinha coragem de me atirar. Foi nas aulas da Dora Longo Bahia que eu realmente fiquei completamente seduzido pela produção de arte contemporânea. Eu comecei a produzir alguns trabalhos e levava muito a sério, a crítica dela tinha muito peso pra mim e ela era muito rigorosa. Era uma aula muito boa.

Daí vieram os primeiros salões, prêmios para jovens artistas e logo depois de sair da FAAP formamos uma espécie de atelier/escola na Barra Funda, que alguns chamavam de escolinha e outros de 3ro andar. Eram cursos do Eduardo Brandão e da Dora Longo Bahia, além de mais alguns cursos temporários e algumas salas de atelier de artistas que recebiam uma orientação deles no final de semana. Era um ambiente inacreditável, tinha amigos, discussões, festas, sessões de filmes, artistas e críticos de diversas áreas que vinham nos visitar e isso foi essencial para minha formação. Além disso eu me sentia muito seguro de ter uma discussão crítica de alto nível sobre os trabalhos antes de apresentá-los fora de lá, no mundo real. Isso foi em 1997, ano que eu me formei. Fiquei lá uns 2 anos, e senti necessidade de ficar sozinho depois desse tempo intenso. Mas o grupo continuou.

JL: Quando você descreve sua relação com a Dora Longo Bahia, com os professores e colegas da Faap, e mesmo a “escolinha”, acho muito bonita essa ideia de um grupo que complementa a formação do artista, seguido dessa necessidade de estar sozinho que veio em seguida. Você hoje mantém alguma interlocução regular? Com quem?
MG: Hoje em dia eu converso com amigos, mas não tenho mais uma interlocução regular, tenho conversas informais. Mas, de vez em quando, aparece um momento em que preciso mergulhar no trabalho com outras pessoas. A produção do meu livro foi um momento em que eu tive que repercutir tudo com as pessoas que participaram com textos, design, entrevistas. É muito importante para mim ter momentos para rever o que foi feito e refletir sobre as relações com o que estou pensando no momento.

 

JL: Seus trabalhos me parecem primeiramente conceituais, porque se sustentam em incontáveis suportes – desenho, escultura, instalação, arquitetura, objeto, texto, vídeo, até contratos; não há adesão exclusiva a nenhuma técnica ou material. E também não há um assunto único, uma obsessão. Como começam, então, os trabalhos? Uma obra anterior desperta a próxima, ou você tem ideias que vai acumulando e depois escolhe para desenvolver?

MG: Não gosto de pensar meu trabalho como conceitual. Apesar de ter essa característica nômade pensando nos meios e materiais empregados, acho que pra mim as coisas partem de uma relação de contato, de atrito, que muitas vezes estão nos próprios materiais, ou na arquitetura, ou no reconhecimento da função dos materiais. O conceito vem durante o processo, num caminho tortuoso que vai sendo informado com o tempo. Não é sobre ter uma ideia e pensar um suporte, meu processo é muito esquisito – até hoje eu acho estranho, pois eu vejo alguma coisa ou desenho alguma coisa que me interessa e não tenho nenhuma ideia onde isso vai dar. Eu desenho, eu pinto, eu filmo, eu estrago muita coisa, acordo a noite pra desenhar uma coisa que sonhei, depois apago de manhã. Eu me divirto e sofro na mesma quantidade… acho que eu sofro um pouco mais do que me divirto. Mas é claro que um conjunto de trabalhos vai informando outros, você vai construindo um corpo que passa a exercer um peso, uma complexidade; e eu sinto que tenho que ter responsabilidade com esse corpo. Eu não consigo pensar um trabalho que não tenha nenhuma relação com as outras coisas que já fiz.

 

JL: Sua “gaveta” de projetos não realizados está sempre cheia? Como é o seu processo de produção? São várias realizações paralelas ou você precisa focar em cada projeto exclusivamente? Sei que muitas vezes não é você que realiza a obra com as próprias mãos, então como é essa relação entre o processo e o fazer?

MG: Eu não tenho muitos projetos na gaveta. Cada vez que começo a pensar uma exposição ou me chamam para um projeto novo eu começo uma nova história. Mesmo que eu repita trabalhos ou ideias, eu gosto de pensar em como esse conjunto de trabalhos vai se associar com o espaço e o contexto. Sobre o processo de produção, sim, eu faço muita coisa ao mesmo tempo por um período e depois fico um período sem fazer nada, ou só desenhando, lendo, ouvindo música, molhando as plantas. Tenho muitos trabalhos que são realizados por outras pessoas, e alguns só eu posso fazer. Eu gosto de estar perto de quem produz, pois muitas vezes a experiência das pessoas com o material me traz possibilidades novas. Meu projeto pode ser mudado quase sempre durante o processo, não sou rigoroso com o projeto, gosto de incorporar o acaso.

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